A Escala 6×1 Sob a Lente da Saúde Mental por Dalva Silvany

A intensificação das rotinas de trabalho, com jornadas extensas e o cumprimento de metas cada vez mais exigentes, tem sido motivo de preocupação para especialistas em saúde mental e medicina do trabalho. Nos últimos anos, a síndrome de burnout, caracterizada pelo esgotamento extremo causado por sobrecarga emocional e profissional, ganhou destaque e reconhecimento como problema de saúde ocupacional, sendo incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este artigo explora como jornadas extensas, como a escala 6×1, afetam diretamente a saúde física e mental dos trabalhadores, abordando as causas do burnout e o impacto das condições de trabalho exaustivas no bem-estar psicológico.

1. Exaustão Física e Mental: O Alarme das Jornadas Extensas

A exaustão física e mental causada por jornadas longas de trabalho não é uma preocupação nova, mas sua prevalência cresceu com o aumento da competitividade no mercado e da pressão por alta produtividade. Em regimes como a escala 6×1, em que o trabalhador atua seis dias consecutivos e descansa apenas um, o tempo de recuperação física e emocional é insuficiente. Isso compromete tanto a disposição física quanto a capacidade cognitiva do trabalhador, resultando em um ciclo de esgotamento que, com o tempo, se torna insustentável.

De acordo com a OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), jornadas acima de 40 horas semanais estão associadas a um risco elevado de problemas físicos, como doenças cardíacas, hipertensão e até mesmo morte prematura. Em termos de saúde mental, as longas horas de trabalho aumentam os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, o que desencadeia uma resposta crônica de “luta ou fuga” no organismo. Essa reação prolongada pode levar a um quadro de ansiedade, irritabilidade e, eventualmente, depressão.

2. O Burnout: Definindo e Compreendendo Suas Causas

A síndrome de burnout é o resultado direto da exposição prolongada ao estresse ocupacional e tem três características principais: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. Os trabalhadores afetados geralmente sentem-se esgotados, desmotivados e emocionalmente desconectados de suas atividades, passando a realizar as tarefas de maneira mecânica. Este quadro é especialmente comum em profissões que demandam contato direto com o público e decisões rápidas, como na área de saúde, educação e comércio.

Os principais fatores que levam ao burnout incluem:

  • Sobrecarga de Trabalho: Quando as tarefas são excessivas e os prazos inatingíveis, o trabalhador sente que está sempre correndo contra o tempo. A carga excessiva leva à exaustão e reduz a capacidade de concentração e criatividade.
  • Falta de Controle e Autonomia: Ambientes em que os trabalhadores não possuem autonomia para tomar decisões ou adaptar seu ritmo de trabalho contribuem para o aumento do estresse. A sensação de falta de controle sobre o próprio tempo e ações aumenta a ansiedade.
  • Falta de Reconhecimento e Suporte: Trabalhar sob pressão sem receber reconhecimento ou apoio psicológico dos superiores aumenta o risco de burnout. O reconhecimento é um dos principais motivadores para que os indivíduos continuem engajados e satisfeitos em suas funções.
  • Jornadas Longas e Poucas Pausas: A ausência de folgas regulares e a obrigação de trabalhar de forma contínua impedem a recuperação física e mental do trabalhador. A escala 6×1 é um exemplo de regime que dificulta a recarga emocional, promovendo, em vez disso, o desgaste.

3. A Influência das Condições de Trabalho na Saúde Mental

Estudos têm mostrado que trabalhadores submetidos a jornadas longas têm maior propensão a desenvolver transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão. Em um ambiente de alta pressão e pouco tempo de descanso, o indivíduo se torna mais vulnerável ao estresse e, consequentemente, ao esgotamento emocional. Em casos extremos, o acúmulo de pressão pode levar a episódios de pânico, insônia crônica e, no limite, ao adoecimento psicológico grave.

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece uma carga horária máxima de 44 horas semanais, mas, na prática, a flexibilidade para compensação de horas tem permitido que algumas empresas ultrapassem esse limite, o que pode agravar os problemas de saúde ocupacional. Os setores de comércio e saúde são particularmente afetados, pois operam com demandas constantes que dificultam o estabelecimento de uma rotina de descanso para seus colaboradores.

4. Impacto do Burnout na Vida Pessoal e no Ambiente de Trabalho

A presença do burnout não afeta apenas o indivíduo, mas também gera impactos na equipe e na empresa como um todo. Profissionais que sofrem de esgotamento tendem a ter um desempenho inferior, com queda na produtividade e no engajamento, o que pode afetar negativamente o ambiente de trabalho e os resultados organizacionais. Além disso, o burnout tende a impactar a vida pessoal do trabalhador, gerando problemas de relacionamento, conflitos familiares e até mesmo o aumento do consumo de substâncias, como álcool e medicamentos ansiolíticos, como uma forma de alívio temporário.

Estudos indicam que o custo do burnout para as empresas é significativo, uma vez que a queda na produtividade e o aumento do absenteísmo podem levar a perdas financeiras substanciais. Isso faz com que as organizações percebam cada vez mais a importância de políticas de bem-estar e qualidade de vida no trabalho, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que essas medidas sejam realmente efetivas.

5. Medidas de Prevenção e Melhoria da Qualidade de Vida

Para prevenir o burnout e reduzir os impactos negativos das jornadas exaustivas, é necessário que tanto as empresas quanto os próprios trabalhadores adotem medidas de cuidado com a saúde mental e física. Algumas das iniciativas que podem ajudar a promover um ambiente de trabalho saudável incluem:

  • Flexibilização da Jornada: Reduzir a carga horária ou adotar uma escala de trabalho mais equilibrada, como a semana de 4 dias, permite que o trabalhador tenha mais tempo para descanso e atividades pessoais.
  • Treinamento de Liderança e Suporte Psicológico: Líderes capacitados podem ajudar a identificar sinais de esgotamento em suas equipes e oferecer suporte. Além disso, o suporte psicológico nas empresas pode ajudar os trabalhadores a lidar com o estresse e evitar o agravamento de problemas mentais.
  • Promoção de Pausas Regulares: Incentivar pausas durante a jornada de trabalho contribui para a recuperação da energia e melhora o foco nas atividades. Empresas que promovem essa prática geralmente observam um aumento no bem-estar e na produtividade dos colaboradores.
  • Reconhecimento e Incentivos: Criar uma cultura de reconhecimento pelo bom desempenho e de incentivo ao equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é uma forma de aumentar a satisfação e o engajamento dos trabalhadores.

Jornada de trabal em alguns países da Europa

Na Europa, a jornada de trabalho é regulada principalmente pela legislação da União Europeia, que estabelece normas mínimas para todos os países-membros, embora cada país possa ajustar suas próprias regras conforme suas necessidades culturais e econômicas. Em geral, os europeus têm uma jornada de trabalho mais curta e com melhores proteções sociais do que em outras regiões, incluindo limites de horas trabalhadas, férias remuneradas e pausas obrigatórias.

  • França: A jornada semanal é de 35 horas, uma das mais curtas da Europa. O país também tem regulamentações rigorosas sobre horas extras e exige o pagamento adicional para quem ultrapassa o limite regular.
  • Alemanha: O horário padrão é de 35 a 40 horas semanais, dependendo do setor. A Alemanha também é conhecida por promover uma cultura de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, com políticas de proteção à saúde mental.
  • Países Nórdicos(como Suécia, Dinamarca e Noruega): Trabalham, em média, entre 37 e 40 horas semanais. Além disso, esses países investem em condições de trabalho que promovem a flexibilidade, permitindo o que os trabalhadores ajustem suas jornadas para equilibrar a vida pessoal e profissional.
  • Portugal: A jornada de trabalho padrão é de 40 horas semanais, com um limite diário de 8 horas. Os trabalhadores têm direito a um mínimo de 22 dias úteis de férias anuais, além de feriados nacionais. A legislação portuguesa permite a realização de horas extras, mas estabelece um limite anual para evitar sobrecarga. 
  • Na Espanha: A jornada semanal é de 40 horas, mas o país tem avançado em iniciativas para reduzir o tempo de trabalho. O governo espanhol lançou um projeto-piloto para testar a semana de quatro dias, incentivando empresas a reduzir a carga horária sem cortar salários. Os trabalhadores espanhóis têm direito a pelo menos 30 dias de férias por ano, o que é acima do padrão mínimo da União Europeia. 
  • O Reino Unido: Mesmo após o Brexit, ainda mantém algumas regulamentações semelhantes às da União Europeia, embora com flexibilidades. O país oferece 28 dias de férias anuais, incluindo feriados públicos. A flexibilização do trabalho remoto e híbrido tem sido amplamente adotada, especialmente após a pandemia, e o governo incentiva o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Os trabalhadores europeus geralmente têm direito a férias pagas mais generosas do que em outras regiões. Na União Europeia, o mínimo obrigatório é de quatro semanas (20 dias) de férias pagas por ano. Entretanto, alguns países oferecem ainda mais dias:

Nos últimos anos, muitos países europeus começaram a experimentar jornadas reduzidas. Na Islândia, por exemplo, experimentos com a semana de trabalho de quatro dias mostraram bons resultados em produtividade e bem-estar dos trabalhadores. O governo espanhol também está testando essa semana reduzida para avaliar seus impactos na economia e na qualidade de vida.

Além disso, países como Alemanha e França possuem regulamentações específicas para o “direito à desconexão”, garantindo que os trabalhadores não sejam obrigados a responder mensagens ou realizar tarefas fora do expediente, protegendo o tempo de descanso.

Conclusão

A exaustão física e mental resultante das jornadas extensas, como na escala 6×1, é um problema de saúde pública que afeta a qualidade de vida dos trabalhadores e impacta negativamente o desempenho organizacional. O burnout é apenas uma das consequências desse modelo de trabalho, e o aumento de casos indica a necessidade urgente de uma reavaliação das condições laborais.

Empresas e legisladores precisam trabalhar juntos para promover um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável, onde o equilíbrio entre as demandas profissionais e o bem-estar pessoal seja uma prioridade. Somente com a implementação de políticas de saúde ocupacional eficazes será possível garantir um ambiente de trabalho saudável e reduzir os índices de burnout e outros problemas de saúde mental.

A cultura europeia geralmente valoriza o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e muitos países promovem políticas que incentivam uma abordagem saudável ao trabalho. Além disso, a presença de sindicatos fortes na maioria dos países europeus facilita a negociação de

Essas políticas mostram que, na Europa, há um esforço contínuo para promover um ambiente de trabalho que priorize tanto a produtividade quanto o bem-estar dos trabalhadores.

Referência Bibliográfica

Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho. Relatório sobre Condições de Trabalho e Saúde Mental na Europa. 2020. Disponível em: https://osha.europa.eu/pt.  

BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: Quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.  

Ministério da Saúde do Brasil. A Saúde Mental do Trabalhador: Relatório Técnico sobre Burnout e Impactos do Estresse no Trabalho. Brasília: MS, 2021.  

Organização Mundial da Saúde. Burnout: Um Fenômeno Ocupacional. 2019. Disponível em: https://www.who.int.  

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